ÒSÒÒGUÌYAN
Òsòòguìyan não tinha ainda este nome. Chegou num lugar chamado Ejigbô e aí se tornou Elejigbô (Rei de Ejigbô). Òsòòguìyan tinha uma grande paixão por inhame pilado, comida que os iorubás chamam iyan. Elejigbô comia deste iyan a todo o momento; comia de manhã, ao meio-dia e depois da sesta; comia no jantar e até mesmo durante a noite, se sentisse vazio seu estômago! Ele recusava qualquer outra comida, era sempre iyan que devia ser-lhe servido. Chegou ao ponto de inventar o pilão para que fosse preparado seu prato predileto!
Impressionados pela sua mania, os outros òrisás deram-lhe um cognome: Òsòòguìyan, que significa “òrisá-comedor-de-inhame-pilado”, e assim passou a ser chamado. Awoledjê, seu companheiro, era babalaô, um grande advinho, que o aconselhava no que devia ou não fazer. Certa ocasião, Awoledjê aconselhou a Òsòòguìyan oferecer: dois ratos de tamanho médio; dois peixes, que nadassem majestosamente; duas galinhas, cujo fígado fosse bem grande; duas cabras, cujo leite fosse abundante; duas cestas de caramujos e muitos panos brancos. Disse-lhe, ainda, que se ele seguisse seus conselhos, Ejigbô, que era então um pequeno vilarejo dentro da floresta, tornaria, muito em breve, uma cidade grande e poderosa e povoada de muitos habitantes.Depois disso Awoledjê partiu em viagem a outros lugares.
Ejigbô tornou-se uma grande cidade, como previra Awoledjê. Ela era rodeada de muralhas com fossos profundos, as portas fortificadas e guardas armados vigiavam suas entradas e saídas. Havia um grande mercado, em frente ao palácio, que atraía, de muito longe, compradores e vendedores de mercadorias e escravos. Elejigbô vivia com pompa entre suas mulheres e servidores. Músicos cantavam seus louvores. Quando falava-se dele, não se usava seu nome jamais, pois seria falta de respeito. Era a expressão Kabiyesi, isto é, Sua Majestade, que deveria ser empregada. Ao cabo de alguns anos, Awoledjê voltou. Ele desconhecia, ainda, o novo esplendor de seu amigo. Chegando diante dos guardas, na entrada do palácio, Awoledjê pediu, familiarmente, notícias do “Comedor-de-inhame-pilado”. Chocados pela insolência do forasteiro, os guardas gritaram: “Que ultraje falar desta maneira de Kabiyesi! Que impertinência! Que falta de respeito!” E caíram sobre ele dando-lhe pauladas e cruelmente jogaram-no na cadeia.
Awoledjê, mortificado pelos maus tratos, decidiu vingar-se, utilizando sua magia. Durante sete anos a chuva não caiu sobre Ejigbô, as mulheres não tiveram mais filhos e os cavalos do rei não tinham pasto. Elejigbô, desesperado, consultou um babalaô para remediar esta triste situação. “Kabiyesi, toda esta infelicidade é consequência da injusta prisão de um dos meus confrades! É preciso soltá-lo, Kabiyesi! É preciso obter o seu perdão!” Awoledjê foi solto e, cheio de ressentimento, foi-se esconder no fundo da mata. Elejigbô, apesar de rei tão importante, teve que ir suplicar-lhe que esquecesse os maus tratos sofridos e o perdoasse. “Muito bem! – respondeu-lhe. Eu permito que a chuva caia de novo, Òsòòguìyan, mas tem uma condição: Cada ano, por ocasião de sua festa, será necessário que você envie muita gente à floresta, cortar trezentos feixes de varetas. Os habitantes de Ejigbô, divididos em dois campos, deverão golpear-se, uns aos outros, até que estas varetas estejam gastas ou quebrem-se”.
Desde então, todos os anos, no fim da sêca, os habitantes de dois bairros de Ejigbô, aqueles de Isalê Osolô e aqueles de Okê Mapô, batem-se todo um dia, em sinal de contrição e na esperança de verem, novamente, a chuva cair. A lembrança deste costume conservou-se através dos tempos e permanece viva, também, na Bahia. Por ocasião das cerimônias em louvor a Òsòòguìyan, as pessoas batem-se umas nas outras, com leves golpes de vareta… e recebem, em seguida, uma porção de inhame pilado, enquanto Òsòòguìyan vem dançar com energia, trazendo uma mão de pilão, símbolo das preferências gastronômicas do Òrisá “Comedor-de-inhame-pilado.” Exê ê! Baba Exê ê!
… Òsòòguìyan encontra Yemonjá e lhe dá um Filho
Houve um tempo em que os òrisás viviam do outro lado do oceano. Mas depois tiveram que vir para o lado de cá, para acompanhar seus filhos que foram trazidos como escravos. Assim vieram todos e assim veio Òsòòguìyan.
Òsòòguìyan veio boiando na superfície do mar, navegando no tronco flutuante de uma árvore. A travessia durou muito tempo, mas de um ano. Foi nessa viagem que Òsòòguìyan conheceu Yemonjá, que era dona do próprio mar em que viajava Òsòòguìyan. Logo se conheceram e logo se gostaram. Òsòòguìyan era moço, forte, corajoso; Yemonjá era mulher bonita destemida e sedutora. Yemonjá engravidou de Òsòòguìyan e nove meses depois deu a luz à um menino, que já nasceu valente e forte, querendo guerrear. Mais tarde chamaram o menino de Ogunjá, porque o guerreiro gostava de comer cachorro. Sempre que ia à guerra, a mãe o acompanhava e então todos a chamavam Yemonjá Ogunté
Òsòòguìyan, Ogunté e Ogunjá formam uma família de guerreiros. E eles são muitos festejados no Brasil.
… Òrisá sem cabeça
Um dos mitos diz que Òsòòguìyan nasceu apenas de Obatalá. Não teve mãe. Nasceu dentro de uma concha de caramujo. E quando nasceu não tinha cabeça, por isso perambulava pelo mundo, sem sentido.
Um dia encontrou Ori numa estrada e este lhe deu uma cabeça feita de inhame pilado, branca. Apesar de feliz com sua cabeça ela esquentava muito e quando esquentava Òsòòguìyan criava mais conflitos e sofria muito. Foi quando um dia encontrou a morte (iku), que lhe ofereceu uma cabeça fria. Apesar do medo que sentia, o calor era insuportável, e ele acabou aceitando a cabeça preta que a morte lhe deu. Mas essa cabeça era dolorida e fria demais.
Òsòòguìyan ficou triste, porque a morte com sua frieza estava o tempo todo acompanhando o òrisá. Foi então que Ógún apareceu e deu sua espada para Òsòòguìyan, que espantou Iku. Ògún também tentou arrancar a cabeça preta de cima da cabeça de inhame, mas tanto apertou que as duas se fundiram e Òsòòguìyan ficou com a cabeça azul, agora equilibrada e sem problemas.
A partir deste dia ele e Ògún andam juntos transformando o mundo. Òsòòguìyan depositando o conflito de idéias e valores que mudam o mundo e Ògún fornecendo os meios para a transformação, seja a tecnologia ou a guerra.
Òsòòguìyan - O guerreiro que não conhece a derrota!
Eis o Senhor do Dia, o Òrisá do progresso e da cultura, o Òrisá da vida e também da efervescência da vida, da discussão, da guerra e do avanço, da estratégia, da inteligência, do branco, do claro, do positivo e do masculino!
Òrisá moço, Òsààlá criança, às vezes adolescente, não passando do jovem adulto Ajagunan!! Brinda o Universo com vida, com energia, com o lúdico e com a guerra e a cultura. Traz o Dia, traz o tempo, traz a evolução e o ritmo!
Este controvertido Òrisá, apenas superado em controvérsia por Èsú, já traz os paradoxos em sua criação. Pois para alguns ele é filho de Òsààlá com Yemonjá, mas na grande maioria da cultura este Òrisá é o próprio Òsààlá, em idades mais tenras! Quando sua missão era outra que apenas a administração da Criação, mas sim a de lançá-la, de construí-la e de fazê-la possível! A natureza destes dois aspectos do mesmo Òrisá é tao distinta e paradoxalmente semelhante, que ao mesmo tempo em que o separa em dois Òrisás distintos, os une no mesmo Òrisá ao final da compreensão do momento, missão e natureza deste Òrisanlà (Supremo Òrisá)
Este Òrisá é nascido do Odù Eji-Ogè, do primeiro alento de vida de Olorùn (Deus), com ele veio o dia primordial e consigo a vida! A ele Olorùn confiou a vida, o dia e a criação! Que não pôde realizar só, senão com a ajuda de sua irmã Odùdua, nascida logo a seguir pelo Odù Oyekù e o surgimento da sombra emergida do brilho do dia e da vida, trazendo consigo a noite, o feminino, a morte. Ambos terminaram sob as ordens de Olorùn a criação dos 9 mundos e do Aiyé (o mundo manifesto) e todos os seus habitantes, tendo como dinamizador desta relação o terceiro Òrisá mais velho: Èsú (esfera), aquele que faz girar o Àsé destes dois princípios e que assim cria os caminhos possíveis para a realização do plano divino.
Conta uma lenda que, após espalhada as terras pela galinha de pata com cinco garras desceram os Òrisá para construírem o Aiyé, vieram antes de todos Òsòòguìyan e Ògún. Trabalharam arduamente construindo o mundo, quando a espada de cristal de Òsòòguìyan se rompe sob o peso da terra e da pedra. Era o instrumento celestial de Òsààlá frágil para lidar com a rude matéria. Sem saber como continuar, veio Ògún que havia presenciado o ocorrido, e ofereceu à Òsààlá sua própria espada para que Òsààlá continuasse a trabalhar. Enquanto Ògún continuou com as próprias mãos!! Devido a isso Ògún goza de eterno prestígio com Òsòòguìyan, que sempre o abençoa em todos os seus empreendimentos e trabalhos!
Na natureza encontramos Òsòòguìyan no camaleão, nos primeiros raios do Dia, assim como no dia todo. Também encontramos seu àsé em tudo o que é branco e puro, assim como também nas águas, sobretudo nos gêisers, fontes de águas termais e quentes. Pois ele é a água e o fogo do início dos tempos, a água vulcânica que presenciou a criação do mundo e criou a atmosfera, o ar, que gerou a vida neste planeta.
Òsòòguìyan é tanto o òrisá da vida que é muito comum ser um òrisá favorito dos sacerdotes anciãos, pois ele é sempre o prenúncio de mais vida! Onde entra um omó òrisá de Òsòòguìyan , a vida se renova, o tempo de vida se prolonga, as atividades retomam força, os objetivos se redefinem ou se discernem melhor os ideais. Há um reavivamento em tudo.
Seu elemento: Ar e Água
Seu temperamento: Quente
Sua regência: Vida, criatividade, estratégia, a guerra, as invenções, a inteligência, o debate, o brilho, o dia
Seus instrumentos: a mão-de-pilao, a espada, a lança, o escudo, o irukeré (rabo de cavalo), o Atòrí (vareta de amoreira)
Saudemos então o grande senhor da vida!
Salve o grande guerreiro branco que desconhece à derrota!
Saudemos ao amanhecer do dia, quando surgirem os primeiros raios de vida e de luz!!
“Eseu ê! Epa Babà!! Kabiesy Òsòòguìyan!!”.